segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

CURSO DE CAPACITAÇÃO SOBRE EMPREENDEDORISMO PARA DEFICIENTES



Deficientes ganham independência com cursos de capacitação sobre empreendedorismo

Por Francis França

Os mecanismos de inclusão social que beneficiam pessoas portadoras de necessidades especiais vão além da busca pela carteira de trabalho assinada. Eles agora também levam o empreendedorismo para a vida desses cidadãos e de suas famílias.

Dados do Censo 2000 mostram que eles representam 14,5% da população, mas apenas 9 milhões trabalham. E, dessa parcela, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apenas 348,8 mil possuíam vínculo empregatício formal em 2007 – menos de 1% do total de trabalhadores contratados no País. A conclusão é que, embora haja uma lei de cotas vigente desde 1991 que garanta de 2% a 5% das vagas em médias e grandes empresas para esses trabalhadores, a grande maioria ainda trabalha como autônomo e na informalidade.

Rafael Bastos, 33 anos, conseguiu emprego em um banco há três meses. Casado e com um filho de dois anos, ele tem apenas 20% da visão, por um problema no nervo ótico, desenvolvido no período da gestação. “A gente sabe que tem que se superar a cada dia e provar que pode tanto quanto qualquer outra pessoa”, diz ele, que está em fase de treinamento no novo emprego. A carteira assinada trouxe estabilidade à vida de Bastos, mas sua verdadeira vocação é a arte. Pintor desde os 13 anos de idade, ele chegou a montar um ateliê, mas o ganho incerto o fez procurar uma vaga no mercado formal.

Ele já trabalhou como arte-finalista em gráficas e chegou a fazer ilustrações para um jornal. Por intermédio da esposa, conheceu um artista plástico com quem passou a trabalhar para entender como funcionava o mercado da arte. “Comecei a vender os trabalhos dele para saber se era o que eu queria para mim. Percebi as dificuldades, mas como é o que gosto de fazer, comecei a pintar profissionalmente”, conta. Começou em casa, depois montou um ateliê para dar aulas de pintura, e, com a ajuda de um apresentador de televisão, conseguiu vender seus quadros em leilões. Até que a crise financeira internacional chegou ao bolso de seus clientes, e ele precisou procurar alternativas.

Bastos faz parte da parcela de portadores de necessidades especiais que conseguiu romper a barreira mais difícil, que é acreditar em si mesmo e não confundir limitação com incapacidade. “Com a lei de cotas podemos mostrar que somos capazes de fazer qualquer coisa, desde que seja uma atividade adaptada para a pessoa, que ofereça meios para ela crescer”, afirma.

Durante um curso de serviços administrativos que fez no Senac, teve a prova disso. Em uma dinâmica de grupo em que havia cadeirantes, deficientes auditivos e visuais, o grupo recebeu a tarefa de montar um quadrado com uma série de triângulos. O problema, que tradicionalmente demora uma hora para ser resolvido, foi solucionado em 15 minutos. “Nossa instrutora ficou emocionada. Acho que o resultado é porque ali as pessoas estavam mais dispostas a se compreender e a trabalhar juntas”, diz.

Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do MTE, 50,28% dos trabalhadores com necessidades especiais têm limitações físicas, 28,16% auditivas, 2,95% visuais, 2,41% mentais e 1,67% são portadores de deficiências múltiplas. Foram declarados 14,02% empregados na situação de reabilitados. Os homens têm maior representatividade em todos os tipos de deficiência, com participação média de 62,76%, e a maior parcela de trabalhadores (31,5%) está no setor de serviços ou são vendedores no comércio.

Incubadora

Para estimular essas pessoas a não apenas procurar emprego, mas a montarem negócios próprios, a Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu), de Curitiba, estruturou um programa de capacitação em parceria com a incubadora do Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getulio Vargas (Isae/FGV). As entidades desenvolveram uma metodologia já experimentada em oito turmas, com cerca de 240 alunos, para ensinar as disciplinas de empreendedorismo, plano de negócios e planejamento estratégico.

O curso da Unilehu oferece módulos de capacitação e inclusão social. Em parceria com agências de emprego, são mapeados os segmentos ou empresas que mais contratam em determinado momento. Também são identificadas oportunidades para novos negócios. “Capacitamos muito para a área de produção, que geralmente é a porta de entrada da indústria, e também para o setor administrativo”, diz. Há cursos de auxiliar administrativo, auxiliar de mecânica básica, técnico em manipulação de alimentos, treinamento em call center, entre outros.

A iniciativa deu resultados. Do programa já surgiram negócios como locadoras de vídeo, lanchonetes e artesanato. Evandro Marcondes tem uma agência de viagens. Com apenas 5% da visão, ele é guia de turismo, especialmente em excursões para Aparecida do Norte (SP). “Quando levo as pessoas para um lugar que eu não conheço, vou antes, faço um levantamento técnico do lugar, verifico as dificuldades, questões de segurança”, diz Marcondes, mais conhecido como Tito, que deve concluir em julho o curso de guia de turismo regional.

Para Yvy Bustamante, a lei de cotas ainda é vista com preconceito por muitos empregadores. “Parte-se do princípio de que eu terei que engolir uma lei e aceitar uma pessoa incapaz. Muita gente ainda não entendeu que essas pessoas têm limitações, sim, para algumas coisas, mas não para tudo. O conceito de deficiência é que está errado”, afirma. Segundo ela, as pessoas com necessidades especiais têm comportamento igual a todas as outras. “Não podemos dizer que o resultado será 100% positivo, até porque não se tem como garantir isso com pessoas que não tenham deficiência, mas a grande maioria vai fazer bem para as empresas, inclusive no ambiente de trabalho, porque seu esforço acaba motivando toda a equipe”, diz Yvy.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem cerca de 650 milhões de pessoas em todo o mundo com algum tipo de necessidade especial, cujos direitos são protegidos por leis nacionais e internacionais. Exemplos como Tito e Rafael Bastos, e entidades como a Unilehu e o Isae/FGV trabalham para que não precise haver leis.

A Lei 8.213/1991 determina que as empresas que têm entre 100 e 200 colaboradores reservem 2% das vagas para portadores de necessidades especiais. De 201 a 500 trabalhadores, a cota é de 3%. De 501 a 1 mil funcionários, 4%. E de 1.001 em diante, 5%.

Data: 20/04/2009
Fonte: Portal Empreendedor
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